Os hinários da doutrina daimista


Introdução aos hinários da doutrina daimista


1. Entre 1995 e 2002 dediquei-me, apoiado por irmãos e irmãs acreanos e pela irmandade da Casa de Oração Sete Estrelas, a um minucioso, complexo e delicado trabalho de recobro de conteúdo e forma dos hinos dos hinários que compõem a base da doutrina daimista, à medida que boa parte dos outros hinários, quase todos posteriores ao seu passamento, comprometem em alguma medida o entendimento da mensagem da doutrina, por adotarem estruturas de crença e postulados teológicos variados, diferentes e, por vezes, até mesmo contraditórios com os da missão religiosa estabelecida por mestre Irineu.
Como registro no “O Mensageiro”, “no lento escoar dos anos, muitos anos, algumas décadas!, mínimas alterações de pronúncia, compreensões pessoais variadas, animismo, plurais e conectivos inseridos ou o mero hábito — ‘estrutura estruturante’ que se esforça por manter igual aquilo a que se acostumou, como aprendi com frei Boff — haviam terminado por imprimir tênues, mas importantes alterações na letra de hinos [da base doutrinária], isto é, no conteúdo doutrinário da Mensagem, as quais se espalharam pelo Brasil todo, findando aqui ou ali por dificultar, quando não mesmo por impedir, uma melhor percepção e compreensão de aspectos mais delicados sobre a eternidade, a espiritualidade, a doutrina e a Obra”.

2. Pela ordem estabelecida pessoalmente por mestre Irineu, a base doutrinária daimista é composta exclusivamente pelo seu hinário “O Cruzeiro Universal”, pelos hinários de Germano Guilherme, João Pereira, Maria “Damião” Marques e Antonio Gomes da Silva, e pela “Santa Missa”.
Esta ordem sequencial foi deixada por mestre Irineu e não é arbitrária nem decorreu de preferência pessoal, pois obedece à cronologia de passamento dos “donos” dos hinários: Antonio Gomes em 1946, Maria “Damião” em 1949, João Pereira em 1952, Germano Guilherme em 1964, e mestre Irineu em 1971.

3. A “Santa Missa” é um conjunto de dez hinos cantados (seis de mestre Irineu, dois de Germano Guilherme, um de João Pereira e um de Joaquim “Português”) e entremeados por Nove Precesrezadas após cada hino, compondo assim uma novena de Pai-nossos e Ave Marias.
Ela foi estruturada para ser cantada apenas no serviço religioso aos Finados ou por ocasião do passamento de um irmão (daimista ou não), em geral aos sete dias após o falecimento e sempre após as quatro horas da tarde, isto é, no cair do dia.
A decisão de cantar a “Santa Missa” no serviço à passagem de mestre Irineu, todo dia 06 de julho, foi de exclusiva decisão da irmandade, não tendo sido instituída por ele.

4. Este trabalho de recobro de conteúdo foi levado a cabo no correr dos anos em sucessivos encontros pessoais com os zeladores dos hinários da base doutrinária, para gravar, analisar detalhes e ajustar imperfeições surgidas no decorrer das gravações ou questões de conteúdo e forma detectadas a seguir.
Cabe recordar que os hinos dos hinários foram recebidos por seus “donos”, os quais, antevendo seu próprio passamento, entregaram a um irmão ou irmã de confiança a tarefa de “zelar” pelo hinário como este foi recebido, donde o nome “zeladores”.
Tais zeladores foram, pela ordem da base doutrinária e das gravações, dona Percília Matos da Silva (para o hinário “O Cruzeiro Universal”, a “Santa Missa” e o hinário de Maria Damião), “seu” Luiz Mendes do Nascimento (para o hinário de Germano Guilherme), “seu” Francisco Granjeiro(para o hinário de João Pereira) e dona Adália Granjeiro (para o hinário de Antonio Gomes).

5. O método adotado foi o de gravar todos os hinários sem interrupção e com vozes e instrumentos, embora não em serviço aberto, e no correr de anos seguintes gravá-los um a um a capela, em sessões reservadas com os zeladores, com o microfone aberto e sem interrupção, com vistas a registrar discrepâncias.
Para depois, no transcorrer de todo o tempo, analisar – ora em Rio Branco, no Acre, ora em São Paulo, ora mesmo por correio ou telefone, sobre dúvidas surgidas – verso a verso e estrofe a estrofe de cada hino, para detecção de inadequações provenientes de predileção ou hábito pessoal, adoção de plurais e artigos indevidos e/ou aposição de conjunções e/ou concordâncias inadequadas.
Neste trabalho foi inestimável a atuação de Tufi Rachid Amim: nos meses em que eu não estava em Rio Branco, trabalhávamos a distância, comigo apoiado por minha irmandade em São Paulo e, ele, verificando presencialmente com os zeladores dúvidas então surgidas.
Um exemplo é o hino 40 de Germano Guilherme.
Em sua terceira estrofe:
   Vamos amar a Deus nas alturas
e a divina Mãe aonde Ela está,
Ela em nós derrama as Vossas virtudes,
ela é para semprepara não faltar.
o hábito havia inserido a conjunção subordinativa “que” no terceiro verso, antes de “Ela em nós derrama...”, resultando em “que Ela em nós derrama”, como se a ação divina, “Ela em nós derrama...”, decorresse de nossa intenção de “amar a Deus nas alturas e a Virgem Mãe, aonde Ela está ”.
Mas isto não acontece, pois o amor de Deus e de Maria Santíssima por Seus filhos é livre e incondicional e não é exercido como recompensa ou resultado do que fazemos.
Inadequações como esta comprometiam o entendimento da mensagem, na medida em que alteravam o sentido explícito ou implícito do conteúdo de versos de muitos hinos.
Por outro lado, no trabalho de recobro de conteúdo foi também adotado o critério de “tríplice coerência de conteúdo”: coerência doutrinária em comparação com os Livros da Bíblia (na medida em que a doutrina daimista se afirma exclusivamente cristã: “a doutrina de Jesus Cristo”), coerência de ensinamento dentro do hinário ao qual o hino pertence, e coerência de sentido com os hinos de outros hinários da base doutrinária.

6. Quanto à estrutura melódica dos hinos, ou sua “forma de cantar”, adotou-se o seguinte critério: já que os hinos (salvo raríssimas exceções) obedecem a uma arquitetura melódica que se repete em todas as suas estrofes, formas de cantar que violassem o padrão melódico de algum verso, ou por preferências pessoais ou por alterações perpetuadas no correr das décadas, receberiam ajuste.
Como a doutrina daimista é cantada, chegar à melhor forma possível de "letra + melodia + tom + andamento" é verdadeiramente essencial para os bons serviços de evangelização, dentro de uma hierarquia de importância: primeiro letra e depois melodia, sendo que a melodia sendo subordinada ao tom e andamento do hino e não o contrário – como costumava ocorrer quando o que determinava o tom ou andamento era a preferência deste ou daquele “puxador” ou “puxadora”, a predominância de vozes femininas ou masculinas no canto coral e ou o uso de instrumentos musicais.
O critério adotado foi simples, tendo por matéria-prima todas as gravações feitas, as letras em processo de ajuste e conhecimentos de teoria musical (melodia e harmonia).
Para exemplificar, vamos supor um hino de três estrofes:
A + B + C + D,
E + F + G + H,
I + J + K + L,
com esquema de repetição: ABAB + CDCD / EFEF + GHGH / IJIJ + KLKL.
A estrutura melódica de versos equivalentes, quanto à posição na estrofe, deveria ser igual em todas as estrofes (salvo raríssimos casos, nos quais, mesmo assim, em geral se consegue identificar algum padrão, já que música é sucessão de padrões matematicamente definíveis): AB = EF = IJ, assim como CD = GH = KL.
Nos casos em que, por alteração da sílaba tônica, um verso (digamos, “B”) apresentava alteração na estrutura melódica ao ser cantado com “virgêm” ou “senhorá”, quando comparado a outro verso de igual posição em estrofe (digamos, “F”), retomou-se o canto como "vírgem" ou “senhóra”: em casos assim, o hábito de cantar "virgêm" ou “senhorá” violara a melodia original e o ajuste era necessário.
Em outros hinos, em certo verso não se justificava uma "voltinha", ou floreio melódico, se em versos equivalentes de outras estrofes isto não ocorria ou não cabia. Em casos como este, mesmo os argumentos "o dono preferia assim...", “fica mais bonito...” ou "é assim que cantamos desde sempre..." não eram suficientes, dada a impropriedade de subordinação da arquitetura musical, que vem pronta quando o hino é “recebido”, a qualquer preferência pessoal ou hábito.
Ao mesmo tempo, os floreios foram mantidos sempre que eles se repetissem em versos equivalentes por posição em estrofe.
Santo Agostinho havia encontrado dificuldade análoga para estudar a Bíblia em seu tempo, no século IV a.C, em virtude das declinações do aramaico e do hebraico (Antigo Testamento) e, em certa medida, do grego (Novo Testamento): em culturas nas quais os serviços religiosos eram cantados (como o são, até hoje, no judaísmo e no cristianismo oriental), conforme a declinação idiomática alterava-se a modulação da pronúncia e o sentido do texto, e isto cobrava atenção contínua e discernimento.

7. Um bom exemplo desta possível alteração de sentido, pela variação de pronúncia, é o verificado com o uso variável de “Oh” e “Ô” em diversos hinos de todos os hinários da base.
Nas versões impressas dos hinários aqui apresentadas, grafa-se “Oh” quando se trata de tom maior e, “Ô”, quando se trata de tom menor. Pois, invariavelmente, os hinos utilizam “Oh” para louvar quem está “no alto”, assim como utilizam “Ô” para indicar proximidade afetiva (na alma) entre quem está cantando e a quem é pedido ou a quem se mostra gratidão.
Isto se evidencia já no primeiro hino de mestre Irineu:
   Deus te salve, oh!, lua branca,
da luz tão prateada!
Tu sois minha protetora,
de Deus tu sois estimada.
   Ô!, Mãe divina do coração,
lá nas alturas onde está
minha Mãe no céu,
dai-me o perdão.
Na primeira estrofe, ele exalta Nossa Senhora da Conceição, simbolizada pela lua branca (“Deus te salve, oh lua branca”), enquanto na segunda estrofe do hino ele indica intimidade afetiva com Ela: “Ô, Mãe divina do coração...”.
Ou, em João Pereira, quando se dá igual em seu hino 30, embora aqui na mesma estrofe:
   Oh!, Virgem do conforto!
Oh!, Virgem da piedade!
Ô!, Virgem, minha Mãe!
Oh!, Virgem imaculada!
Assim, mesmo não sendo músico e não tendo preparo teórico em matemática da música, creio ter podido, graças a Deus, ajudar conduzir o primeiro estudo específico de recobro da forma original de conteúdo e de melodia dos hinos da base doutrinária daimista, graças ao apoio de irmãos e irmãs, o que muitas vezes foi entendido apenas, por muitos, como inconveniente tentativa de subordinação dos hinos a preciosismos gramaticais ou léxicos.

8. Estão aqui, portanto, para conhecimento e análise, o conjunto de hinários da base doutrinária daimista, podendo ser impressos por todos aqueles que queiram aprofundar estudos.
Neles, como é convencional, as barras verticais indicam quais estrofes são repetidas e quantas vezes, no caso de mais de uma barra.

MESTRE IRINEU